Mirtes Helena Scalioni

O que determina a formação de um grupo que possa ser chamado de família? Seriam os laços de sangue os imperativos formadores desse grupo? Que personagens, afinal, cabem e estão moralmente aptos a formar uma família? O debate, além de oportuno nesse Brasil de hoje, é o mote principal de “Assunto de Família” (“Manbiki Kazoku”), produção japonesa dirigida e roteirizada por Hirokasu Kore-eda que, segundo consta, tem esse tema como uma constante em sua obra. E foi com “Assunto de Família” que o diretor conquistou a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2018. O drama também foi indicado ao prêmio de Melhor Filme Estrangeiro do Globo de Ouro 2019 e é o representante do Japão no Oscar deste ano na mesma categoria.

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Estranhamente, o filme começa com Osamu Shibata (Lily Franky) ensinando a um menino que parece ser seu filho a praticar pequenos furtos num mercado. Para o espectador, fica claro, logo no início, que o adolescente Shota (Jyo Kairi) tem grande admiração pelo pai/mestre quando os dois saem comemorando o sucesso do roubo, na verdade praticado devido a uma perfeita e bem orquestrada cumplicidade da dupla.

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De volta para casa, enquanto caminham por bairros pobres de alguma cidade do Japão, eles se deparam com uma cena que, ao que parece, já conhecem: uma menina de uns três/quatro anos está abandonada, com frio e machucada na porta de casa. Sem muitos questionamentos, como se tudo fosse muito natural, eles levam a menina Yuri (Miyu Sasak) para casa deles com o objetivo de cuidar dela.

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“Assunto de Família” surpreende mais ainda quando, ao chegar à casa que parece estar numa favela, os três são recebidos por um estranhíssimo grupo composto por uma senhora que todos chamam de avó (Kiki Kirin), duas mulheres adultas, que o público vai aos poucos identificando como Nobuyo Shibata (Sakura Andô) e Aki Shibata (Mayu Matsuoba).

E é também aos poucos, ao longo dos 120 minutos do filme, que o espectador descobre que aquela é uma família particularíssima, onde vivem numa harmonia possível, ladrões, prostitutas e trambiqueiros. O pequeno espaço, quase claustrofóbico, permite que os conluios e cumplicidades despertem e floresçam. Assim como os afetos.

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Filmes sobre famílias costumam ser sempre ricos. Mas esse é particularmente rico porque tem um roteiro hábil. E o diretor, sem nenhum julgamento moral, envolve o público numa trama que, depois, se revela misteriosa, policialesca. Não dá pra saber exatamente quanto tempo aquelas pessoas estão ali, à margem da sociedade.

Mas é possível imaginar que não se trata de pouco tempo porque os moradores enfrentam a neve, a chuva, o calor do verão. Enquanto segredos são revelados, o espectador tem a chance de refletir sobre o encanto de criar e reforçar laços e sobre todos os conceitos a respeito da amizade, o amor e os afetos.
Duração: 2h01
Classificação: 14 anos
Distribuição: Imovision