Arquitetos e construtoras investem em desenvolvimento de projetos que visam a modernização de bens tombados, enaltecendo a memória cultural da cidade

Ao longo das últimas décadas, a evolução da sociedade e suas formas de ocupação urbana moldaram os rumos pelos quais o setor da construção civil se desenvolve hoje. Especialmente em Belo Horizonte, a possibilidade de expansão do espaço urbano já chega ao limite e a capital mineira já não possui oferta de espaços totalmente livres. A cidade, durante décadas, vem sendo paulatinamente substituída e restam poucos exemplares de edifícios históricos. No lugar de terrenos, arquitetos e construtoras encontram empreendimentos já construídos, bens tombados ou extensões vizinhas a áreas preservadas. Problema ou oportunidade? Alexandre Nagazawa, arquiteto urbanista e sócio da BLOC Arquitetura, não tem dúvida: trabalhar com patrimônio histórico é uma grande oportunidade para a sociedade e o mercado da construção civil.

Na visão do especialista, há diversas maneiras de explorar bens tombados pelo patrimônio histórico, respeitando sua história, valorizando as características que o levaram ao tombamento e gerando alto valor agregado ao espaço, seja pela revitalização ou construção anexa, quando há disponibilidade de área remanescente no terreno. Entre as técnicas mais utilizadas está o retrofit, que moderniza instalações antigas mantendo o que há de mais significativo e relevante no prédio, e os projetos de restauro, que garantem o bom aproveitamento dos bens tombados sem perder suas características marcantes.

Há, também, a possibilidade de construção em terrenos com diretrizes especiais de tombamento, como é o caso das áreas próximas à Serra do Curral. “No entanto, a chave para o sucesso em projetos deste segmento está no entendimento de que as restrições dos bens tombados não representam um inimigo do mercado imobiliário e, sim, um condicionante que nos impulsiona a trabalhar com afinco num design propositivo. Dá mais trabalho mas o resultado é sempre muito positivo”, afirma Nagazawa.

O arquiteto defende que, primeiramente, é preciso enxergar o empreendimento como um elemento que marca uma época e conta uma história e, justamente por isso, tem o seu valor. É preciso reapropriá-lo, respeitando sua época, seu tempo, garantindo as características, o respeito àquelas memórias que foram construídas juntamente com o bem tombado e seu entorno. Dessa forma, o diálogo junto aos órgãos de defesa do patrimônio se torna mais fácil, pois parte de um mesmo olhar, o de preservação com diálogo.

Nagazawa lembra, porém, que não há fórmula: a boa arquitetura se faz avaliando caso a caso, pois cada demanda exige uma solução personalizada, de acordo com a localização, características do empreendimento, uso que será dado, entre outras especificidades.

Outro desafio enfrentado pelo mercado imobiliário é a morosidade da legislação com relação aos bens tomados, que em Belo Horizonte foi implantada tardiamente, provocando entraves para a exploração financeira do bem, seja na venda ou utilização comercial. As contrapartidas dos estados para os proprietários também não favorecem o interesse em manter os bens tombados, gerando deterioração e dificuldade para alugar ou vender, o que é péssimo para a preservação da memória não só do bem, mas de toda a sociedade.

Por outro lado, há diversas oportunidades para quem deseja explorar o segmento. Nagazawa ressalta que todo bem tombado possui uma característica singular que pode ser explorada como diferencial. O charme da arquitetura de época pode dialogar com o design moderno e gerar vida nova aos antigos empreendimentos. E, para as construtoras, a negociação financeira de bens tombados pode ser mais equilibrada, por conta dos entraves burocráticos. “Em nossos projetos, focamos muito em design, aliado à boa leitura do contexto e respeito aos bens tombados. Além disso, o diálogo e a construção conjunta com os órgãos de defesa do patrimônio faz toda a diferença”, afirma.

Olhando para o futuro, Nagazawa avalia as condições que levarão empreendimentos de hoje a serem tombados daqui a algumas décadas. “O que faz um bem ser tombado é a forma como ele reflete o espírito de uma época ou mesmo um movimento de vanguarda, de ruptura. Portanto, se conseguirmos entender e materializar esses traços da contemporaneidade, promovendo conexões entre os edifícios e o contexto subjetivo da sociedade, quem sabe teremos alguns de nossos edifícios tombados futuramente”, finaliza o arquiteto.

Destaques do patrimônio histórico

Basta uma volta pela capital mineira para encontrar diversos exemplares de bens ou conjuntos tombados pelo Patrimônio Histórico que receberam construção ou revitalização. Um deles é o edifício Veredas Empresarial, localizado no bairro Buritis, em um terreno influenciado pela Serra do Curral, que é um bem tombado. Criado pela BLOC Arquitetura em parceria com o Grupo EPO, o Veredas foi reconhecido por sua qualidade pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), na 17ª Premiação de Arquitetura do IAB/MG, e bastante elogiado pelo Patrimônio Histórico.

Outro empreendimento de destaque da parceria entre a BLOC Arquitetura e o grupo EPO é o Edifício da Mata, no bairro Santa Lúcia, integrante do complexo empresarial Paisagem Escritório Parque, que também foi construído em um terreno com restrições decorrentes do tombamento. Os terraços descobertos com vista panorâmica da cidade e para a exuberante Estação Ecológica do Cercadinho e as fachadas curvas que acompanham o relevo do terreno dão notoriedade ao edifício.

Além de edifícios, existem conjuntos urbanos que, assim como bens tombados, também podem receber intervenções e melhorias. É o caso da revitalização do entorno da Igreja da Boa Viagem, situada no bairro Funcionários, que acabou de receber aprovação em âmbito municipal, estadual e federal ­—dada a importância da área para a história e cultura do país.

Armazém 356

Recentemente, mais um projeto da BLOC Arquitetura foi aprovado, com louvor, pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte: o futuro “Armazém 356”, empreendimento baseado no retrofit de uma edificação já construída em terreno influenciado pela Serra do Curral. No local, previsto para inaugurar em aproximadamente 18 meses, haverá espaços de compras e entretenimento distribuídos em cerca de 24.000 m².