Mirtes Helena Scalioni

O economista carioca Gabriel Buchmann foi encontrado morto em 2009, aos 28 anos, na África, depois de se perder na descida do Monte Mulange, no Malawi, local cercado de misticismo. Antes, ele tinha estado em outros lugares como o Quênia, a Tanzânia e Zâmbia, sempre em estreito contato com a população local, recusando-se a ser um turista típico como os demais. Era afetuoso e comilão e não hesitava em trocar os hotéis pelo desconforto das camas e mesas dos casebres dos amigos que fazia durante a viagem.

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Apesar de ser um autêntico “mzungu” – homem branco no dialeto do Quênia – passou a se vestir com roupas coloridas e a calçar sandálias feitas de pneus. Seus últimos 70 dias de vida são contados pelo seu amigo, o cineasta Fellipe Barbosa, na produção franco-brasileira “Gabriel e a Montanha”, premiado como Revelação na Semana da Crítica do Festival de Cannes deste ano.

Quem assiste ao filme pode sair do cinema repleto de dúvidas: que homem é esse e o que pretendia da vida? Trata-se de um típico jovem da classe média alta, egoísta arrogante e teimoso? Ou apenas um aventureiro irresponsável que não se negava a enfrentar desafios por mais impossíveis que eles parecessem? E mais: o que ele fazia naquele lugar inóspito e exótico, no meio da miséria? Estava simplesmente brincando de pobre antes de se encastelar num escritório luxuoso da Califórnia? Tinha, realmente, preocupações sociais? Ou ainda: por que se embrenhou pela África para pesquisar “políticas públicas em um país em desenvolvimento” se poderia ter feito isso no Brasil, onde se formou em Economia?

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Mas, talvez resida aí, na dúvida, o encanto e a mágica do filme. O jovem Gabriel – de forma natural e convincente interpretado por João Pedro Zappa (que fez o personagem Serginho, filho do delegado torturador na série “Os dias eram assim”, da TV Globo) – é limitado e contraditório como todo ser humano. É preciso destacar a presença certeira de Caroline Abras no papel de Cris, a namorada brasileira que passa uns tempos com ele na África. Os conflitos que surgem entre os dois podem ser reveladores da personalidade do protagonista.

O que o longa ressalta, o que fica claro, é o carinho e a honestidade com que ele foi feito, intercalando a ficção com depoimentos de gente que conviveu com Gabriel nos seus últimos dois meses de vida – amigos, guias, caminhoneiros… Importante dizer que essas pessoas atuam fazendo o papel delas mesmas, ora dialogando com o ator, ora contando suas experiências com o economista. Esse jeito híbrido de fazer cinema comove e confere ao trabalho uma aura de dignidade, respeito e integridade. E enche a história de afeto. Classificação: 12 anos

https://www.youtube.com/watch?v=w9cw1Ntrhqg