Mirtes Helena Scalioni
Que ninguém espere ação ou estímulo em “As Herdeiras”, filme paraguaio do diretor estreante Marcelo Martinessi. Lento e escuro, pode-se até dizer que o longa é discreto ao contar a vida de duas mulheres maduras, que estão juntas há décadas e que, devido à crise financeira, são obrigadas a vender pratarias, cristais, obras de arte e até móveis para sobreviver. Enfim, uma história sobre a decadência.
Chiquita e Chela vivem num casarão tão antigo quanto decaído e, de cara, o espectador descobre que o casal é formado por duas mulheres completamente diferentes uma da outra. Chiquita, interpretada por Margarida Irún, é atirada, alegre, extrovertida, gosta de festas e de encontros com as amigas.
Chela é tímida, pacata, silenciosa, observadora, papel que caiu como uma luva para Ana Brun, pelo qual já recebeu pelo menos dois troféus: O Urso de Prata, em Berlim, e o Kikito, em Gramado, ambos como Melhor Atriz. Na verdade, o público enxerga pelos olhos de Chela, que vive se esgueirando, fala pouco, não se altera, olha por meio de frestas. Nada a abala, nem mesmo a prisão de Chiquita, que vai para a cadeia por causa de dívidas com o fisco.
Dizem que a maturidade está na moda. Se isso for verdade, Martinessi começou bem. Ao falar sobre a ruína da classe média alta de Assunção e abordar o relacionamento homoafetivo entre duas mulheres que beiram os 60, o diretor, em nenhum momento, é explícito. Pelo contrário. É com muita delicadeza, sutileza, sombras e olhares que o afeto – e até a sexualidade – são apenas sugeridos. Em certo momento, quando Chela conhece a exuberante Angy (Ana Ivanova), a sedução é sombreada, cheia de subterfúgios.
Marcelo Martinessi tem falado, em entrevistas, que seu longa é uma metáfora da agonia da elite do Paraguai, em crise como quase todos os demais países da América Latina. Essa decadência – sem perder a elegância – fica clara em algumas cenas que mostram como as moradoras do casarão estão falidas, mas fazem questão de manter a empregada e o requinte da bandeja do café da manhã com os utensílios sofisticadamente arrumados.
Mas não há nenhum discurso ou menção à desigualdade social. “As Herdeiras” é também uma história fundamentalmente feminina. Os homens são raros e secundários e apenas as mulheres têm alguma relevância. Mas, em momento algum, o tema feminismo é tocado. Tudo, absolutamente tudo no filme é delicadamente insinuado.
Classificação: 16 anos
Duração: 1h38