Com textos do ator Eduardo Moreira e ensaio do crítico Valmir Santos, “Grupo Galpão: tempos de viver e de contar” revela histórias e bastidores da lendária companhia mineira de teatro
Das ideias que começaram a tomar forma no início da década de 1980 até os tempos pandêmicos de 2021, um dos mais importantes grupos de teatro do Brasil vivenciou e escreveu histórias passando por diversos cenários, por vezes levando essa bagagem sociocultural para além das fronteiras nacionais. De Belo Horizonte para o mundo, a trupe do Grupo Galpão sempre mesclou influências dos clássicos da dramaturgia ocidental, da cultura nacional e da voz das ruas, formatando, assim, um dos mais ricos portfólios das artes cênicas. Esse caldeirão de identidades é objeto do livro Grupo galpão: tempos de viver e de contar, publicação das Edições Sesc SP com organização de Eduardo Moreira, ator e um dos fundadores do Grupo Galpão. O livro conta ainda com ensaio assinado pelo crítico teatral Valmir Santos, além de imagens de uma rica iconografia de bastidores e espetáculos.
A leitura leva ao público uma proposta que relaciona as artes dramáticas com a história pelo viés do “invisível”, das utopias e distopias da existência humana e do que “poderia ser”, de acordo com Eduardo Moreira. Foram estas as bases que mantiveram e ainda mantêm a paixão pelo teatro e a motivação do coletivo intacta quase 40 anos após a sua fundação oficial, em 1982, com os atores Teuda Bara, Wanda Fernandes e Antônio Edson, além do próprio organizador do livro. Dos porões da Fafich (Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG) às ruas e aos palcos, o Galpão ganhou forma a partir de um elenco que reuniu, espontaneamente e sem vínculos enquanto grupo, para um rígido curso com diretores alemães (do Freis Theater München, que vieram ao Brasil a convite do Instituto Goethe), o que lhes deu a primeira experiência enquanto coletivo e poderosa base na arte da interpretação. A consistência do grupo, entretanto, se deu por interesse próprio em dialogar com formas não acadêmicas – fato notável em suas memoráveis apresentações.
A organização linear do texto ajuda a relacionar a atividade do grupo com variados momentos da história contemporânea do Brasil. Essa linha do tempo também permite, com auxílio de um vasto acervo fotográfico e também de excertos da crítica especializada, a localização dos encontros marcantes do grupo com figuras centrais da produção cultural do país, entre eles Paulo José e Eduardo Coutinho.
Os relatos de Moreira destacam peças icônicas e demonstram como se deram seus processos de concepção ou montagem. A encenação do grupo para Romeu e Julieta, sob a direção de Gabriel Villela, ganha detalhes de bastidores e conta todo movimento de superação do grupo à morte de Wanda Fernandes, então esposa do ator, vítima de acidente de carro no retorno de uma das apresentações da peça. Outro destaque está no narrativa sobre a primeira peça da trupe com direção de um de seus integrantes fixo – o próprio Eduardo Moreira –, Um Molière imaginário. Outra atração do livro está nos excertos de críticas e de artigos de jornais publicados à época de cada período de atuação do coletivo.
Entre passagens importantes da trajetória do Galpão e da própria arte dramática brasileira, um tópico que ultrapassa palcos e locais de encenação chama a atenção: a fundação do Galpão Cine Horto. O local, antigo cinema de bairro, virou um centro cultural especializado em teatro e comandado pela companhia desde 1998. A estrutura é referência nacional na formação de artistas e na oferta de oficinas e debates.
Ao final do livro ainda é possível checar as fichas técnicas de cada um dos espetáculos montados e fotos das equipes técnicas que dão suporte ao grupo.