Falta de padronização entre os órgãos de trânsito brasileiros coloca em risco os estudantes e em xeque as normas da ABNT formuladas para garantir a segurança dos usuários
Com a aproximação do início do ano letivo em todo o Brasil, pais, mães e responsáveis costumam gastar vários dias com as pendências para resolver antes que as crianças e adolescentes retornem às aulas. Além do material escolar e o uniforme, o transporte escolar costuma ser uma das causas de grande preocupação nessa época do ano. A Federação Nacional da Inspeção Veicular (FENIVE) alerta que os veículos que fazem esse serviço precisam, obrigatoriamente, comprovar que estão adequados para poder operar. Além disso, as informações sobre a regularidade desses veículos devem ser públicas e acessíveis a todos os usuários.
De acordo com a legislação brasileira, somente podem realizar o transporte escolar no Brasil os veículos que passaram por inspeções veiculares semestrais, comprovando que estão com todos os documentos e dispositivos de segurança regulares, evitando riscos desnecessários aos estudantes.
PADRONIZAÇÃO
Porém, o engenheiro mecânico Daniel Bassoli, diretor executivo da FENIVE, critica a falta de padronização entre os órgãos de trânsito estaduais com relação aos serviços habilitados para fazer essa avaliação.
Segundo ele, em algumas unidades da federação, a inspeção veicular só pode ser realizada em organismos credenciados pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), que são as estruturas preparadas e qualificadas para isso. “No entanto, em boa parte do país não há rigor algum sobre o serviço ou o profissional responsável pela inspeção dos veículos de transporte escolar. Ou seja, qualquer pessoa pode validar. Isso dá brecha para que a segurança das crianças seja colocada em segundo plano ou sujeita a interesses comerciais”, alfineta.
TRANSPARÊNCIA
Bassoli pontua, ainda, a dificuldade que as famílias dos estudantes encontram para saber se os veículos contratados estão em conformidade com as exigências da legislação. Atualmente, o Departamento de Trânsito do Paraná (Detran-PR) é o único do Brasil que facilita a transparência desses dados. No site do órgão (www.detran.pr.gov.br ), a partir de dados simples – como a placa do veículo ou o nome completo do motorista – é possível consultar se o serviço está adequado. “Tem muitos municípios do Brasil que sequer fazem a inspeção veicular. Para agravar esse cenário, há um problema de rastreabilidade em muitos lugares e os familiares não têm acesso às credenciais do transportador para saber se ele está regular, de fato. Muitas vezes, o usuário conta somente com uma autorização em papel, afixada no interior do veículo, o que não é garantia de que realmente o veículo está regular”, enfatiza.
LEGISLAÇÃO
O serviço de transporte escolar no Brasil está regulamentado no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). O diretor da FENIVE destaca que, além disso, ônibus, micro-ônibus e vans que transportam estudantes precisam cumprir todos os requisitos exigidos na NBR 14.040 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que é a norma brasileira para inspeção veicular.
Para ampliar a segurança e o rigor sobre o transporte escolar, em 2023 a ABNT publicou a norma NBR 17075, que complementa a NBR 14040. A nova regra estabelece os itens e acessórios veiculares que precisam estar adequados aos padrões de segurança para a execução do serviço, além dos procedimentos para inspeção, seus equipamentos e recursos necessários.
Segundo o diretor, o objetivo da nova norma é solucionar os problemas de falta de padrão técnico para as inspeções. No entanto, Bassoli destaca que apenas o Mato Grosso do Sul adotou a NBR 17075 até o momento. São Paulo chegou a publicar uma portaria recente para regulamentar o assunto. “Ainda assim, não está claro qual o procedimento técnico para inspeção que será adotado nos municípios paulistas”, comenta.
ESTATÍSTICAS
“Os acidentes com o transporte escolar no Brasil acontecem, porém são pouco divulgados. Quase sempre são computados nas estatísticas gerais dos acidentes de trânsito. É urgente fazer a padronização desses serviços no país para evitar mais vítimas entre os estudantes”, reforça o engenheiro.
Não existem estatísticas oficiais do número de estudantes da rede privada brasileira que utiliza o transporte escolar, uma vez que as informações são descentralizadas. Mas os dados do Programa Caminho da Escola, do Ministério da Educação (MEC), mostram que existem cerca de 8,5 milhões de estudantes matriculados na educação básica da rede pública que dependem do transporte escolar fornecido pelo poder público – a maior parte deles (7,4 milhões) de ônibus ou micro-ônibus, mas também de barco e até de bicicleta.
DICAS NA HORA DE CONTRATAR O SERVIÇO
– Confira os dados do motorista. O condutor do veículo deve ter mais de 21 anos, carteira de habilitação para dirigir veículos na categoria D, ter passado por curso de Formação de Condutor de Transporte Escolar e possuir matrícula específica no Detran para realizar o transporte escolar;
– Ônibus, micro-ônibus e vans devem apresentar autorização especial do Detran para realizar o transporte de escolares. Essa autorização deve estar fixada na parte interna do veículo, em local visível.
– Validar se a autorização afixada no veículo é autêntica e recente. Os veículos devem passar por inspeção a cada semestre.
– Os veículos que fazem o transporte escolar devem, obrigatoriamente, apresentar a inspeção veicular em dia, em cumprimento às exigências estaduais, municipais e das normas NBR 14.040 e NBR 17075 da ABNT.
– Monitore o serviço diariamente e esteja atento ao comportamento do seu filho, faça perguntas e preste atenção aos relatos que ele apresenta.