Milton Henriques Guimaraes Junior, cardiologista da Fundação São Francisco Xavier

 
Silenciosa e silenciada, a Doença de Chagas (DCA), é classificada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma das 17 doenças tropicais negligenciadas. A doença é causa pelo protozoário Trypanosoma Cruzi (T.cruzi) e ainda tem um grande impacto na América Latina, onde afeta principalmente populações carentes.

Em 1909, o jovem médico e pesquisador brasileiro Carlos Chagas, em um ambiente com poucos recursos e com um aguçado senso científico, descreveu não só o agravo causado aos humanos pelo protozoário, como também descreveu todo o ciclo da doença e a transmissão, tendo como vetor o barbeiro. Seu trabalho jogou luz sob essa doença até então negligenciada dos livros de medicina, voltados para doenças de países desenvolvidos, e é sem dúvida um dos grandes trabalhos da ciência médica brasileira do século XX.


A Doença de Chagas ainda afeta mais de 6 milhões de pessoas no mundo. Há ainda importante problema da subnotificação, visto que apenas uma em cada dez pessoas é diagnosticada com a enfermidade, de acordo com a Organização Médicos Sem Fronteiras.


No Brasil, a doença afeta pelo menos 1 milhão de pessoas e resulta em mais de 4 mil mortes por ano, segundo o Ministério da Saúde. Movimentos migratórios também fazem com que pessoas em diversas partes do mundo convivam com a doença.

A via clássica de contaminação é através dos barbeiros da família Triatominiae. Ao picarem os humanos para se alimentarem, esses barbeiros defecam e eliminam os protozoários nas fezes, que então contaminam os humanos ao penetrarem pelas feridas na pele ou mucosas. Há outras formas de transmissão, sendo que atualmente a transmissão por via oral tem recebido bastante atenção.  Na transmissão oral, a contaminação dos humanos se dá pela ingestão de alimentos contaminados pelo parasita, como caldo de cana e açaí. Há ainda vias menos comuns de transmissão, como a transfusão de sangue e a gestacional.

A enfermidade chegou a ser erradicada no Brasil quando o país recebeu, em 2006, um certificado de eliminação do Trypanosoma Cruzi. Mas, em meados de 2018, ela reapareceu. Dois anos depois, em 2020, foram confirmados 146 casos de Doença de Chagas Aguda (DCA), com uma letalidade de 2%, sendo que todos os óbitos ocorreram no estado do Pará, muitos por contaminação via oral.

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É cada vez mais urgente levantar a bandeira da informação e do combate à doença. A doença tem a fase aguda e a crônica. Na fase aguda, que dura de três a oito semanas, os sintomas mais comuns são febre, aparecimento de gânglios e crescimento do baço, fígado e coração. Na fase crônica, a maior parte dos pacientes vai seguir de forma assintomática e sem acometimento de órgãos ou sistemas. Essa fase é detectada por exames sorológicos e é chamada de fase indeterminada, podendo durar décadas. Cerca de 30% dos pacientes vão progredir para o acometimento cardíaco e/ou do aparelho digestivo. Nesses, ocorre desenvolvimento de insuficiência cardíaca e arritmias cardíacas, dificuldades de deglutição devido a distúrbios esofágicos e constipação intestinal. Óbito por essa doença está muito relacionado ao desenvolvimento de insuficiência cardíaca e a arritmas cardíacas graves, que podem cursar com morte súbita, sendo que a doença de Chagas ainda é uma importante causa de encaminhamento ao transplante cardíaco no Brasil.

Na fase aguda, o tratamento com drogas antiparasitárias está bem estabelecido. Na fase crônica, o tratamento é voltado para correção dos distúrbios nos sistemas acometidos – drogas e medidas para tratamento da insuficiência cardíaca, arritmias, distúrbios do trânsito intestinal e da deglutição.  

Para conscientizar e levar informação à população sobre essa enfermidade, é celebrado em 14 de abril o Dia Mundial da Doença de Chagas. A conscientização sobre a doença, frequentemente diagnosticada em seus estágios finais, é essencial para melhorar as taxas de tratamento e cura precoces, juntamente com a interrupção de sua transmissão.