Inventário artístico levanta questionamentos sobre consumo de informações e propõe novas reflexões sobre a sociedade
Imagens e arquivos sobre fatos e momentos da história e do cotidiano ganham novos contornos na exposição “Silêncios Seletivos”, de Luiza Nobel. A mostra, que será exibida na Piccola Galleria da Casa Fiat de Cultura, entre 9 de abril de 2019 e 26 de maio de 2019, reúne um inventário de 25 obras, composto por fotos de jornais e revistas, além de objetos. Após passarem por algumas intervenções, como colagens, rasgos e cortes, as peças são ressignificadas pela artista, possibilitando novos olhares sobre fatos já ocorridos.
A exposição evidencia os silêncios, tensões, violências, testemunhos e revoluções de diversos tempos que pulsam em suportes distintos. A vitalidade e força das imagens diante das reportagens e seus interesses ocultos revelam um cenário atual de informações ligadas a estereótipos de gênero, feminicídios diários, desigualdade social, racismo e resistência. As cenas retratadas como testemunhas de um tempo percorrem um arquivo em constante movimento e desconstrução. Retiradas de sua estrutura original e de suas intencionalidades políticas, se transformam em um vasto inventário.
A proposta de Luiza Nobel é também oferecer mais tempo e reflexão para os assuntos apresentados nos objetos, uma crítica ao fluxo incessante no consumo e compartilhamento de informações diárias, que dificultam a absorção do conhecimento. “Reviver imagens frágeis do passado nos transporta para um processo lento da produção e propagação da imagem. O esquecimento ou a amnésia caminham hoje com a aceleração, o acúmulo inconsciente, o consumo incessante de imagens e faz parte de uma realidade contemporânea. Assim, acho que meu trabalho confronta essa forma de absorver conhecimento e informação”, explica Nobel.
A exposição é dividida em quatro segmentos: Mulheres, Células, Territórios e Multidões. Na série “Mulheres”, a artista busca ressaltar a imagem da mulher sob outras perspectivas adotadas pela mídia, através de associações de imagens daquelas que não encontravam espaço em revistas e jornais da época. A partir dessa série, surge o nome da mostra: “Silêncios Seletivos”, que segundo Nobel, são mais eloquentes do que muitas falas. A mostra possibilita múltiplas construções, à medida que novos recortes e colagens são feitos. Pode-se perceber o afloramento de diferentes conteúdos e novas tensões diante do tempo. Para a artista, as quatro séries dialogam entre si: “os rastros, os materiais orgânicos como a terra, inúmeros corpos convivendo, caminhando em um mesmo espaço e a sensação de algo prestes a se multiplicar ou rebelar-se como uma multidão unida, além de uma soma de mulheres buscando seu espaço social”, afirma Nobel.
Para o presidente da Casa Fiat de Cultura, Fernão Silveira, a mostra revela diferentes perspectivas sobre a história. “Nosso propósito é levar ao público temas que proponham novas reflexões por meio da arte e que despertam novos olhares sobre a sociedade. Nosso compromisso é promover o diálogo com a produção artística brasileira e revelar suas tendências”, declara Fernão Silveira. A exposição “Silêncios Seletivos” é uma realização da Casa Fiat de Cultura e do Ministério da Cidadania, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, com o patrocínio da Fiat Chrysler Automóveis (FCA), Fiat Chrysler Finanças e Banco Safra. A exposição conta com apoio institucional do Circuito Liberdade, Instituto Estadual do Patrimônio Histórico (Iepha), Governo de Minas e Governo Federal.
As séries
Uma das obras destaque da exposição e que integra a série Mulheres é a imagem de uma grande sala de estudantes que se dissolve. Algumas das alunas observam a janela e outras permanecem concentradas em suas carteiras. Estruturas rígidas presentes na figura se contrastam com a fragilidade do material, as instituições e seus retrocessos diante de um sistema político em crise compartilham das marcas e perdas do tempo.
Outra imagem, que também faz parte da série, retrata o cenário de uma comunidade ribeirinha. Para Nobel, a cena se destaca diante da modernidade e das imposições estrangeiras construídas pela história do fotojornalismo nas revistas ilustradas desde a sua criação. Segundo a artista, esses grupos eram expostos de forma exótica e vistos como atrasados e distantes dos padrões norte americanos.
Como única obra da série “Territórios” e também destaque da mostra, um jornal aos pedaços expõe seus fragmentos e as minúsculas letras se desmancham ao toque. As informações dissolvidas pelo tempo representam a transitoriedade dos acontecimentos diante do acúmulo de informações.
Em “Multidões”, fotografias sobre várias situações de um conjunto de pessoas ressaltam a diversidade presente em cada imagem. Na quarta série da exposição, “Células”, as obras são formadas por imagens de mulheres e desenhos de células. Tal composição representa uma correlação de macro e micro, geral e particular, e mostra que aquelas mulheres das imagens são feitas dessas pequenas células.
Processo Criativo
A artista trabalha a partir de duas frentes motivacionais. A primeira propõe a intervenção direta e artística em registros físicos da realidade como reportagens e notícias, estimulando um diálogo entre memória e novas interpretações. A segunda pretende destacar fatos retratados nas obras para que o público possa refletir e, assim, compreender outras narrativas. Nessa releitura, o sentido das obras se alterna: ora objetivo, ora subjetivo.
O processo de criação do inventário começou em 2011 e foi reconfigurado à medida que as imagens cresciam e se desdobravam em novos trabalhos. Assim, mais imagens eram recolhidas, catalogadas, recortadas e deslocadas, possibilitando novas associações e novos desenhos. Para incrementar essas intervenções, Nobel também coletou objetos que dialogavam com o tempo, como caixas antigas que atribuem um aspecto nostálgico à peça.
Luiza Nobel
Nasceu em Belo Horizonte, em 1993. É graduada em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes da UFMG, com continuidade de estudos em Artes Visuais/ licenciatura. Tem experiência na área das artes visuais, dentre as mais recentes, as exposições: “Tipologias das Multidões” (2017), Edital Jovens Artistas, Memorial Minas Gerais Vale, “Reverências” (2016), Espaço Atelier Kayab, em Congonhas, Minas Gerais, ”Retornável – Pausas Cotidianas” (2011), no Palácio das Artes, galeria Mari´Stella Tristão e “As Canções que você fez para mim” (2011).
Piccola Galleria
O espaço é destinado a novos artistas e foi criado em 2016 com o intuito de incentivar a produção nacional e internacional. Os artistas são selecionados por uma comissão de especialistas que, nesta edição de 2019, foi integrada pelo curador Marconi Drummond, pela artista plástica Nydia Negromonte e pelo arquiteto Paulo Waisberg. A proposta é apresentar e destacar trabalhos inéditos – pinturas, desenhos, gravuras, esculturas, fotografias, instalações, performances e/ou videoarte – de artistas locais, brasileiros ou estrangeiros.
Em três programas de seleção, a Piccola Galleria recebeu 207 inscrições e, entre 2016 e 2018, já apresentou o trabalho de 13 artistas, 206 obras de arte e recebeu mais de 120 mil visitantes. A sala expositiva é um ambiente dedicado às artes visuais e sua criação marcou os 10 anos da Casa Fiat de Cultura. Situada ao lado do painel “Civilização Mineira”, de Candido Portinari, no hall principal da Casa Fiat de Cultura, o pequeno recinto é destinado a exposições de curta duração, mas com toda a visibilidade que a instituição enseja. Local intimista e com grande circulação de público, conta com a chancela da Casa Fiat de Cultura e do Circuito Liberdade, um dos mais importantes corredores culturais do país.
Seis artistas foram escolhidos no 3º Programa de Seleção da Piccola Galleria. Além da exposição “Pulsa”, de Avilmar Maia, e “Silêncios Seletivos” de Luiza Nobel, estão previstas: “Tudo é Eco no Universo” (Augusto Fonseca), “Pequena rota do insuspeitável” (Cyro Almeida), “Sagoma” (Henrique Detomi), “Mau olhado – bem olhado” (Janaína Barros e Wagner Leite).
Casa Fiat de Cultura
A Casa Fiat de Cultura cumpre importante papel na transformação do cenário cultural brasileiro, ao realizar as mais prestigiadas exposições. A programação estimula a reflexão e interação do público com várias linguagens e movimentos artísticos, desde a arte clássica até a arte digital e contemporânea. Por meio do Programa Educativo, a instituição articula ações para ampliar a acessibilidade às exposições, desenvolvendo réplicas de obras de arte em 3D, materiais em braile e atendimento em libras. Atualmente, 50 mostras de consagrados artistas brasileiros e internacionais, já foram expostas na Casa Fiat de Cultura, entre os quais Caravaggio, Rodin, Chagall, Tarsila, Portinari entre outros. Há 13 anos, o espaço apresenta uma programação diversificada, com música, palestras, residência artística, além do Ateliê Aberto – espaço de experimentação artística – e de programas de visitas com abordagem voltada para a valorização do patrimônio cultural e artístico. A Casa Fiat de Cultura é situada no histórico edifício do Palácio dos Despachos e apresenta, em caráter permanente, o painel de Portinari, Civilização Mineira, de 1959. O espaço integra um dos mais expressivos corredores culturais do país, o Circuito Liberdade, em Belo Horizonte. Mais de 2,5 milhões de pessoas já visitaram suas exposições e 400 mil participaram de suas atividades educativas.
SERVIÇO
Exposição Silêncios Seletivos – Luiza Nobel na Piccola Galleria da Casa Fiat de Cultura
9 de abril a 16 de maio
Terça a sexta, das 10h às 21h; sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h
Entrada gratuita
Casa Fiat de Cultura
Circuito Liberdade
Praça da Liberdade, 10 – Funcionários – BH/MG
Horário de funcionamento: terça a sexta, das 10h às 21h – Sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h