Para além do conhecido “raio gourmetizador”, o evento valoriza a culinária produzida por pessoas simples
Quem passa pela MG 129, rodovia que liga Mariana à Santa Bárbara, nas “costas” do Santuário do Caraça, talvez não faça ideia que no meio deste caminho exista o distrito de Morro D’Água Quente, em Catas Altas. A região, famosa pelo circuito de cachoeiras e trilhas, preserva no mapa dos roteiros turísticos de Minas Gerais o valor da culinária regional, passada de geração em geração. Temperos, pratos típicos, vinhos, licores, queijos, cervejas, mel, pães e muito mais.
Com o intuito de manter a tradição da gastronomia local, bem como fomentar a economia do povoado de Morro D’Água Quente, um coletivo de mulheres formou o Sabores do Morro. Há três anos realizam uma feira mensal para vender iguarias da região. Anualmente, sempre em dezembro, realizam o Festival Sabores do Morro. Neste ano, entre os dias 15 e 16 deste mês, a atração chegou à terceira edição. Além da tradicional feirinha, shows e oficinas de gastronomia aqueceram a programação do evento.
Segundo os organizadores, o objetivo para as próximas edições é atrair cada vez mais o público para Morro D’água Quente, patrocinadores e cravar o nome do festival no roteiro turístico de Minas Gerais. “Para além do conhecido ‘raio gourmetizador’, comum em festivais de gastronomia, a Sabores do Morro vai na contramão de eventos mais pomposos ao mostrar como pessoas simples produzem uma colunaria diversificada. Pratos e produtos são acessíveis a moradores locais, ou seja, não são exclusivos apenas ao poder de compra dos turistas”, destaca o presidente do coletivo Luiz Antonio Batista.
A guia turística Luciana Bragança de Oliveira Abdo, 45 anos, mora em Catas Altas e vê o distrito de Morro D’Agua Quente como a menina dos olha da região. Para ela, a maior atração local são as montanhas e cachoeiras, mas não descarta a tradição da culinária local como mais um patrimônio. “Aqui no Morro D’Água Quente, o povoado tenta preservar e relembrar os pratos dos antepassados e isso não tem preço. Catas Altas tem grande potencial na área gastronômica e não podemos deixar isso morrer”, afirmou.
Geração de renda
A apicultora Nayara de Freitas Gomes Pereira, 27 anos, montou uma barraca para vender mel, própoles, pomada e temperos com ervas. Uma das organizadoras do evento, ela chama atenção para o fato da Sabores do Morro gerar renda em Morro D’Água Quente, uma vez que os próprios feirantes empregam pessoas do distrito especialmente para o evento.
“A maioria [das expositoras] possui um ou dois, até mesmo três funcionários trabalhando nas barracas para atender o público. Se não estão atendendo, estão no caixa, fazendo limpeza ou ajudam em casa a produzir os produtos durante toda a semana para trazer para cá. Há também gente sendo empregada para fazer frete”, relatou. Conforme disse, a característica do Sabores, como eles chamam, é que os negócios geralmente são administrados pelo público feminino. Dos 12 integrantes do coletivo, 10 são mulheres.
Nayara e o marido são donos da marca Mel Puro NC. Ela relatou que a iguaria produzida pelas abelhas é recolhida em Morro D’Água Quente. Em 2017, por causa de uma grande queimada na região, perderam enxames e a produção de mel caiu. Mas em 2018, voltaram a crescer e a chuva contribuiu para o reflorescimento da vegetação. Para 2019, ela espera retomar a meta anual de 1,5 mil kig de mel. Além de venderem os produtos na feira, comercializam o mel envazado em cidades da região e em Belo Horizonte.
Enfermeira que trabalha em um posto de saúde da região, Marília Aparecida Arantes, 29, nascida e crescida na cidade, produz há dois anos, juntamente com o namorado, uma linha de cervejas artesanais do tipo pale, ipa, pilsen, stout, além do chopp pilsen. Com uma produção ainda caseira, produzem cerca de 150 litros por mês. Ainda assim, conseguem atender a demanda para distribuir as bebidas em restaurantes e bares da região. Os nomes dos rótulos Bastião e Celeste foram a forma que ela e esposo, Luiz Antônio, mestre cervejeiro, encontraram para homenagear, respectivamente, o pai de Luiz e a avó de Marília. Outro ponto que faz referência ao Morro D’Água quente é a ilustração dos rótulos, que representam o pôr-do-sol sobre os cumes do Caraça.
Frequentadores aprovam o festival
A dona do tradicional restaurante Rancho do Pote, às margens da MG 129, Silvania Ermelinia Guimarães, 39, admite que passou a conhecer alguns produtos após o surgimento da feira e do festival Sabores do Morro e que levou alguns temperos dentro da cozinha do estabelecimento. Nascida, criada e moradora de Morro D’Água Quente, Silvânia reconheceu a simplicidade dos expositores e enalteceu o fato deles resgatarem algo que muitos da comunidade nem sabiam que era tão valorosa – a gastronomia local. “Eu levei tanta coisa gostosa para o restaurante: as conservas de tomate seco da Vaneide, os doces, as compotas e vinhos de jabuticaba”, listou os produtos que também comercializa no estabelecimento.
Direto de Belo Horizonte e acompanhada por um grupo de amigas e crianças, a comunicóloga Ana Paula Castro, disse que soube do evento pelos portais de notícia da capital e resolveu conhecer o festival de gastronomia. Já o casal de turistas de Ipatinga, cidade do Vale do Aço mineiro, Fernanda Fernandez e Elton Lage, pegaram três horas de estrada para passar o final de semana em uma pousada em Morro D’Água Quente. Eles chegaram ao evento para almoçar por indicação dos funcionários da hospedagem. Os dois elogiaram a chopp pilsen fabricado pelos nativos e os pratos que experimentaram. “Bolinho mineiro com recheio de linguiça e couve. É a cara de Minas esse prato! O tropeiro que comemos também! o torresmo, estava tudo uma delícia. E estou de olho nos doces daqui para levar para ceia de natal”, disse Fernanda.
De Santa Bárbara, o casal Fabiano Neves, 33, e a namorada Noélia Helena, 29, frequentaram a feira na tarde de domingo. “Ficamos sabendo da Sabores pelos portais de Catas Altas e pelo instagram de amigos que moram aqui”, contaram. “Viemos pela paisagem, pelas bandas e, claro, pela culinária”, brincou Fabiano. Por fim, deixaram um aviso: “as pessoas precisam sair mais de casa e conhecer o Festival”, relatou o casal.