Matheus Ciolete
O décimo segundo filme do diretor francês Jean-Paul Civeyrac volta o olhar a um grupo particularmente conhecido pelo cineasta: os estudantes de cinema. Civeyrac é um professor de cinema na universidade francesa “La Fémis” e nesse filme conta a história de um grupo de amigos que frequentam Paris 8, universidade fundada em 1969, com ligações à onda de protestos que ocorreram no país em maio de 1968 e que intitula o longa.
É nesse cenário, um ambiente estudantil, que a estória da graduação de Etienne (Andranic Manet) se desenrola. Vindo de Lyon, o personagem principal enfrenta uma série de aventuras, principalmente amorosas, quando começa a viver em Paris. Lá divide o apartamento com Valentina e por intermédio dela faz seus primeiros amigos relacionados ao cinema. É quando Etienne conhece Jean-Noël (Gonzague Van Bervesselès) que o apresenta à Mathias Valence (Corentin Fila), o estereótipo do aluno problema talentoso.
A amizade entre Etienne e Mathias estabelece-se, em primeira instância, em função da antipatia a William (colega de classe com um cinema de tendências comerciais), e perdura com tal intensidade, ao menos por parte de Etienne, que não é exagerado cogitar a possibilidade de um romance, que acaba não acontecendo, entre os dois. Etienne rompe com Lucie, a namorada que deixa no interior, não sem antes traí-la, e Valentina é sucedida por Annabelle enquanto colega de apartamento.
Etienne consegue um emprego, onde conhece Barbara e ganha a simpatia de um professor que o auxilia ao longo de sua jornada em busca do diploma. A partir daí o núcleo dos personagens principais está estabelecido e desenrola-se uma verdadeira quadrilha de Drummond: Lucie amava Etienne, que amava Annabelle, que amava Mathias, que não amava ninguém. Jean-Noel amava Etienne, que não amava Valentina. Jean-Noel alia-se a William, que não amava Mathias. Mathias suicidou-se, Lucie ficou para titia e Etienne termina com Bárbara que não havia entrado na história.
Embora os minirromances sejam o que preenche o filme e o fio condutor a graduação de Etienne e seus desafios, são as questões discutidas pelas personagens acerca do próprio cinema que conferem certo charme à produção. Nesse ponto, “Paris 8” (“Mes Provinciales”) é metalinguagem, é um filme discutindo sobre filmes. Um diretor que dedicou toda a vida a estudar filmes, filmando a juventude estudando filmes.
Justamente por se tratar de um filme feito por um professor de cinema sobre alunos de cinema, muitas das questões giram em torno de temas caros aos cinéfilos e à cinefilia. “Eu gosto de cinema, não de imagens” diz Etienne, pautando a questão: O que é um filme? Ou quando Annabelle pergunta à Mathias Valence: “Você acredita que os filmes podem salvar o mundo?” tensionando o papel da arte enquanto transformadora da realidade.
É claro que um filme não deixa de ser uma sucessão de imagens, dispostas de certa maneira dentro de uma linguagem relativamente pré-estabelecida, fixadas em película ou em arquivo digital. No entanto, nem o mais literal dos humanos se satisfaria com essa resposta. Por um motivo simples: o que descrevemos foi apenas o aparato técnico necessário para que se faça um filme. O que nos leva a assisti-lo definitivamente não é a sua forma material, mas justamente o que emana dela.
Um filme, ou pelo menos um bom filme, são as experiências subjetivas do autor dispostas em uma história contada em linguagem cinematográfica. A vida não é preto no branco e por isso o valor da arte está na capacidade de trazer à tona o espectro cinza que existe entre o certo e o errado, o bom e o mau, o bonito e o feio. De nada vale a sucessão de planos e enquadramentos se não estiverem se desdobrando nestas áreas cinza, próprias à condição humana, não será nada além de imagens se sucedendo da forma mais artificial e tediosa possível.
O Cinema só vale a pena quando é uma arte dos “entres”. Talvez fosse essa a grande tensão entre as personagens Mathias Valence e William. Embora este último conseguisse realizar filmes tecnicamente bons, filmes que “parecem filmes de verdade” – segundo um colega de sala – não fossem filmes que conseguissem dialogar com aquilo que é tanto sua matéria prima quanto seu consumidor final: o ser humano.
Fora isso, “Paris 8” tem uma trama simples, com a narrativa linear desenrolando-se em quatro capítulos e é filmado em preto e branco, tem longa duração (137 minutos), o que somado à preferência do autor pelas cenas com o enquadramento fechado, marca registrada de Civeyrac – a julgar por outro filme dele que assisti – “À Travers La Forêt” (2005), disponível com legendas em inglês no Youtube – pode incomodar gerando certa claustrofobia visual.
“Paris 8” é um filme que pode interessar a um público de cinéfilos, em parte pelo conteúdo e referências que faz, como a professora da universidade citando Fellini, Antonioni, Dario Argento, Mario Brava como exemplos de excelência do cinema italiano, e em parte pela relação autor filme extrínseca à obra. Mas que possivelmente encontraria uma resistência do grande público principalmente pela sua longa duração e seu registro em preto e branco. Feitas as devidas ressalvas, é um filme que eu recomendaria para quem estiver disposto a experimentar algo fora do circuito mainstream do cinema mundial.
Ficha técnica:
Direção e roteiro: Jean Paul Cuveryac
Produção: A Real Passion
Distribuição: Cineart Filmes
Duração: 2h17
Gênero: Drama
País: França