Mirtes Helena Scalioni
Houve quem encontrasse alguma semelhança entre “Chocolate” e “A Livraria”. No primeiro, uma mãe solteira interpretada por Juliette Binoche enfrenta preconceitos e tenta conquistar uma pequena cidade da França com sua loja de chocolates. No segundo, uma jovem viúva, Florence Green, vivida por Emily Mortimer, luta contra uma espécie de elite econômica de Hardborough, no litoral da Inglaterra. Seu único pecado: abrir uma livraria na pacata vila onde todos sabem da vida de todos.
Dirigido e roteirizado por Isabel Coixet e vencedor de pelo menos três Prêmios Goya 2018 – Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Roteiro Adaptado – “A Livraria” tem como base o livro homônimo de Penelope Fitzgerald. E, como se parece com uma fábula, pode ser que, na literatura, a história se saia melhor do que no cinema.
O drama é lento, quase singelo, deixa algumas lacunas sem uma explicação plausível, mas tem lá seus encantos. Um deles é a atuação de Emily Mortimer, que imprime uma impressionante transparência às suas feições. A dúvida, a indignação, a ternura, a coragem, a raiva estão frequentemente claros no rosto da atriz por meio apenas de olhares e expressões.
É bom frisar também que “A Livraria” é um filme de muitos silêncios. Talvez resida aí o motivo de uma certa incompletude do longa, que deixa uma sensação de que faltou algo. Na pacata cidade litorânea de 1959, por algum motivo, a poderosa Violet Gamart (Patricia Clarkson), o advogado Mr. Thomton (Jorge Suquet) e outros figurões simplesmente não aceitam a abertura de um estabelecimento que comercializa livros e fazem tudo para impedir. Medo do conhecimento? Receio de perder o controle?
Mas, como tudo tem dois lados, o apoio à Florence vem de um misterioso Mr. Brundish, velho recluso e leitor contumaz – numa interpretação superelegante de Bill Nighy. Papel importante também é o de Honor Kneafsey, a menina Christine, ajudante da livraria, que se revela figura importante no decorrer da trama.
Os mais atentos vão poder encontrar símbolos e metáforas no filme, tanto em citações de autores e poetas quanto na simples e rápida exposição das capas de alguns livros famosos e icônicos como “Fahrenheit 451”, de Ray Bradbury – que também virou filme – e “Lolita”, de Vladimir Nabokov. Vale a pena ficar atento.
Classificação: 10 anos // Duração: 1h48