Mirtes Helena Scalioni
Por mais incrível que possa parecer, “Roda Gigante” (“Wonder Wheel”), de Woody Allen, é um filme cheio de cores, resultado da dobradinha do diretor com o fotógrafo Vittorio Storaro. E – acreditem – são tonalidades fortes e vibrantes em constante contraste com os dramas e conflitos vividos pelos personagens da história, a maioria mergulhada em suas vidas opacas e cinzentas. Outro detalhe: a ironia e o humor fino, que caracterizam a obra de Allen, são praticamente ausentes nas falas, intenções e gestos dos que fazem parte da história.
Importante dizer que o filme se passa à beira-mar, na decadente Coney Island e nos anos de 1950, época de mudanças de comportamento em todo o mundo. Humpty (Jim Belushi) é operador de carrossel num parque de diversões e é atrás desse carrossel, num ambiente barulhento, pequeno e apertado, que ele vive com Ginny (Kate Winslet) e o menino Ritchie (Jack Gore), o filho do primeiro casamento dela. Logo nas primeiras cenas, fica evidente o tipo de relação enfastiada e morna que o casal vive. Ele, alcoólatra tentando parar de beber; ela, frustrada, irritada e com uma eterna enxaqueca. Para completar a fauna, entra em cena Carolina (Juno Temple), jovem filha de Humpty que retorna à casa do pai fugindo do ex-marido mafioso que ela entregou à polícia.
Muitos estão atribuindo a Kate Winslet todo o mérito do filme. Faz sentido, mas não totalmente, porque todo o elenco está muito bem, embora ela roube a cena em grande parte do longa. Vivendo uma mulher angustiada e quase histérica em alguns pontos, ela criou uma Ginny instável, que muda o ritmo e o tom de voz de acordo com o momento. Ex-atriz fracassada, trabalha como garçonete, vive com Humpty por pura comodidade e ainda tem que administrar os constantes problemas causados pelo filho, um incendiário compulsivo. (Parênteses para dizer que a criança e sua mania são, de certa forma, o único traço cômico da história). É tão intensa e perfeita a atuação de Winslet, que acaba deixando na sombra Carolina, a outra personagem feminina do longa, em atuação corretíssima.
Ginny e a trama do filme mudam completamente quando ela conhece Mickey, por quem se apaixona irremediavelmente. (Outro parênteses para dizer que ele, interpretado por Justin Timberlake, é um salva-vidas canastrão que deseja ser escritor, dramaturgo e poeta, e costuma intelectualizar sentimentos e acasos. Reside aí outro traço frequente de Woody Allen: a ironia). Quando está com ele, Ginny se transforma em fogo e esperança. Em casa, com o marido, o filho e a enteada, sobe o tom de voz, entristece, briga, torna-se intolerante e ciumenta quando descobre que o amante arrasta asas também para Carolina. Está armado o melodrama.
Junte-se a esses ingredientes um belo e perfeito figurino de época, uma trilha sonora repleta de canções típicas da década – que ajudam a enredar e capturar o espectador – e, claro, reviravoltas, surpresas, acasos, escolhas, instabilidade. Apesar das pequenas diferenças, e ainda que não seja um “Match point”, estamos diante de mais um típico e imperdível Woody Allen.
Classificação: 12 anos // Duração: 1h41