Estudo demonstra que pais com mais religiosidade têm níveis mais baixos de estresse e depressão

Cuidar de um filho com autismo é um caminho repleto de aprendizados, desafios e emoções complexas. Nessa caminhada, a espiritualidade pode ser um porto seguro, oferecendo consolo, força e esperança para as famílias. Um estudo publicado em 2023 na revista “Autism & Development” explorou a relação entre fé e bem-estar em famílias com crianças autistas. O estudo “The Impact of Spirituality on Well-being in Families with Children on the Austism Spectrum”, realizado com 200 famílias com crianças autistas entre 4 e 11 anos, revelou que pais com maior religiosidade e engajamento espiritual apresentaram níveis significativamente mais baixos de estresse, ansiedade e sintomas depressivos assim como filhos demonstraram menos problemas comportamentais e maior desenvolvimento social.

Além da religião

 “A espiritualidade pode alcançar um papel importante na vida das famílias com filhos com deficiência. Ela pode ser definida como a busca de um significado mais profundo e transcendental, não se limitando à religião, mas pode incluir a crença em algo maior do que nós mesmos, como um propósito ou significado para a vida. Para pessoas com deficiência, a espiritualidade pode ser uma fonte de força e esperança em momentos de dificuldade, assim como para qualquer outra pessoa”, explica a psicóloga Natália Costa, diretora do Censa Betim, Centro Especializado Nossa Senhora da Assumpção, referência no acolhimento a adultos com deficiência intelectual grave.

Pároco da paróquia Santo Antônio, padre Toninho tem um trabalho ativo com famílias e pessoas com deficiência intelectual severa. Atuando no Censa há mais de vinte anos, celebrando missas e acolhendo as famílias e pacientes, o padre reforça a importância da espiritualidade na vida dessas pessoas. “Todo mundo passa por momentos difíceis na vida, mas a gente percebe que as famílias que não têm o apoio da fé têm mais dificuldades de lidar com os problemas. Ninguém está preparado para ter um filho com deficiência. A fé contribui para a aceitação, resiliência e ausência de culpa. As famílias com fé se sentem mais amparadas para lidar com os desafios do autismo e entendem que os filhos podem ser felizes mesmo com limitações”.

A fé como guia

A professora aposentada Stela Maria Passos, de 78 anos, é um exemplo de como a fé pode ter um papel transformador na família de autistas. Mãe da autista Aline, de 48 anos, Stela, que é casada há 54 anos e tem mais duas outras filhas, revela que a fé em Deus a sustentou nos momentos mais difíceis no dia a dia com a filha, diagnosticada com autismo nível 3.

“Sempre fomos pessoas de muita fé na minha casa. Tenho uma família maravilhosa. Nunca vi a condição da Aline como um castigo, mas sim como uma oportunidade de crescimento. Nós já passamos por muitas situações delicadas com as diversas crises dela. No começo isso foi adoecendo toda a família. Eu já sofria com baixa imunidade, tive pneumonia, paralisia facial, meningite, tudo por causa do stress, mas foi nossa fé em Deus que nos ajudou a passar pelos desafios constantes e a entender que Aline era um presente em nossas vidas. A fé nos sustenta, acalenta e conforta. Eu digo que Nossa Senhora está sempre nos colocando no colo”.  

A religiosidade não apenas confortou Stela em momentos difíceis, como também a guiou na tomada de decisões importantes para o bem-estar da família. Foi através da fé que ela encontrou forças para levar Aline de Salvador, cidade onde mora a família, para o Censa em Betim, instituição especializada que oferece à filha o cuidado e o apoio necessários para o seu desenvolvimento.

 “Um dia, depois de uma forte crise da minha filha, coloquei meus joelhos no chão e orei a Jesus e Nossa Senhora para me darem um auxílio. Foi então que resolvemos trazê-la para essa instituição e foi a melhor decisão que tomamos. No Censa, a Aline tem amigos, pessoas que ela ama e que cuidam muito bem dela. Apesar da saudade, a gente sabe que tomou a melhor decisão. Quando vamos visitá-la é uma festa. Sempre ensinei minha filha a rezar. Apesar de não falar, ela sabe o que significa e gosta muito de Nossa Senhora”, conta.

Aceitação

A psicóloga Natália corrobora a relação entre espiritualidade e a menor incidência de depressão. Para ela, a espiritualidade é um fator de proteção para a depressão, apesar de não excluir a enfermidade. “Não é que um indivíduo que escolhe o caminho da espiritualidade não vá se deprimir. Ele pode se deprimir como qualquer outro. Entretanto, estudos apontam o que vejo na prática, que uma vez deprimidos, o quadro tende a ser mais brando ou com menor duração”.

A diretora do Censa Betim acrescenta. “Acredito que a fé tem o poder de proteger e até evitar muitas mazelas, principalmente para aquelas pessoas que passam por momentos desafiadores e podem perder a esperança. Vejo que as famílias que têm esse suporte espiritual encaram a deficiência intelectual do filho com mais serenidade e aceitação, buscando sempre o lado positivo das coisas. Isso propicia que elas estejam mais abertas à intervenção da equipe e que essas discussões sejam mais amplas e frutíferas”, completa.