Mirtes Helena Scalioni
Crise matrimonial, conflito de gerações, infidelidade, papel da mulher no casamento, segredos familiares, doença terminal, rotina, sonhos adiados, frustrações… Vistos assim, juntos, temas tão complexos quanto assíduos e delicados poderiam resultar numa história árdua e pesada. Não é o caso de “Como Nossos Pais”, filme de Laís Bodanzky que tem recebido elogios – dentro e fora do Brasil – exatamente por ser leve, simples, direto e transparente.
Sem inventar muito, a diretora – e co-roteirista junto com Luiz Bolognesi – faz um recorte na vida de Rosa, jornalista de 38 anos vivida por Maria Ribeiro quando ela vive um momento de crise. Cansada de ser supermãe e dona de casa perfeita, além de carregar a frustração de um trabalho que não a satisfaz, ela enfrenta uma turbulência no casamento, questiona a participação do marido Dado (Paulo Vilhena) nos afazeres domésticos e na educação das filhas, e, para completar, sua mãe Clarice, interpretada por Clarisse Abujamra, despeja-lhe uma bomba, um daqueles segredos familiares de arrasar quarteirões.
Nas muitas entrevistas que deram em jornais e TVs sobre o filme, diretora e protagonista enfatizaram que “Como Nossos Pais” não é um filme feminista – pelo menos na concepção mais original do termo. Houve quem dissesse se tratar de um filme feminino, até porque, os personagens que questionam, revolucionam, criam situações e conflitos, são mulheres. Os homens, embora tenham importância no desenvolvimento da trama, são apenas coadjuvantes.
Exibido em Berlim, vencedor do 19º Festival Brasileiro de Paris, o filme ganhou seis kikitos no Festival de Gramado de 2017: Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Atriz para Maria Ribeiro, Melhor Ator para Paulo Vilhena, Melhor Atriz Coadjuvante para Clarisse Abujamra e Melhor Montagem. E ainda está entre os indicados na disputa do filme que irá representar o Brasil no Oscar.
Não é por acaso que o trabalho de Laís Bodanzky se destaca, principalmente, pela atuação criativa e impecável dos atores, a começar por Maria Ribeiro, que encontrou o tom certo da sua Rosa – cansada, irritada, mas guerreira – passando pela veterana Clarisse Abujamra, que emprestou sua experiência ao personagem Clarice, mãe de Rosa, mulher amarga, doente, sem papas na língua.
Destaque também para Paulo Vilhena, que é Dado, o marido que não sabe muito bem qual o seu lugar. Mas nada se compara ao papel de Jorge Mautner, que faz Homero, pai de Rosa, homem sonhador, meio artista, viajandão e com um pé fora do real.
Pequenos deslizes, como a nudez gratuita de Rosa, de costas, quando ela chega à janela de um hotel em Brasília, e a forma como Clarice enfrenta uma doença terminal – sem nenhuma dor ou mal-estar – não são suficientes para embaçar o brilho de “Como Nossos Pais”, que tem um final reticente que respeita a inteligência do espectador. Classificação: 14 anos