Alexandre Nagazawa, arquiteto urbanista e diretor da Bloc Arquitetura Imobiliária
Em março de 2025, foi sancionada a Lei 911/2024, que autoriza a instalação de painéis de LED de até 40 metros de altura nas fachadas dos edifícios ao redor da Praça Sete. Cada painel pode ocupar até 30% da área da fachada. A proposta, segundo o vereador Wanderley Porto, tem como objetivo revitalizar o centro de Belo Horizonte, aumentar a segurança e atrair investimentos. Mas será que essa medida é mesmo o melhor caminho?
Para alguns, a novidade moderniza a cidade e pode movimentar a economia. Para outros, representa uma ameaça à paisagem urbana e ao patrimônio histórico de uma área marcada por sua arquitetura simbólica e forte identidade cultural. É o velho dilema urbano: como caminhar para o futuro sem apagar o passado?
Antes de comemorar os possíveis benefícios da nova lei, vale refletir: o que realmente transforma uma área degradada? Será que grandes painéis luminosos — que anunciam apostas online, cosméticos ou refrigerantes — vão trazer mais segurança, renda e vida ao centro da cidade? Quem, de fato, vai se beneficiar com essa mudança? A população? O comércio local? Ou os donos das grandes empresas de mídia?
As respostas sugerem um cenário excludente: poucos ganham, muitos perdem. Corremos o risco de trocar memória e identidade por espetáculo e consumo. Em vez de valorizar a cidade, sua história e seus pequenos negócios, pode-se aprofundar a desigualdade e a descaracterização do centro.
A história de BH — e de outras grandes cidades pelo mundo — mostra os perigos do excesso de publicidade no espaço urbano. O centro de Belo Horizonte, décadas atrás, já sofreu com a poluição visual provocada por letreiros espalhados por todos os lados. Foi preciso criar regras e limitar essa ocupação para recuperar a paisagem e proteger os marcos históricos da cidade.
Cidades como Londres, Paris, Tóquio e até mesmo Nova York impuseram regras rígidas sobre publicidade em áreas centrais, preservando sua estética e identidade cultural. No Brasil, a Lei Cidade Limpa, em São Paulo, virou referência. Ao retirar os painéis, fez com que a arquitetura voltasse a aparecer, permitindo que a cidade se reconectasse com sua imagem. Até o Rio de Janeiro, conhecido por ser mais permissivo, vem adotando medidas mais equilibradas, que vão além do brilho das luzes.
Para entender o que está em jogo com essa nova lei, é preciso olhar com atenção para a realidade do centro de BH. O abandono da Praça Sete não começou agora. Ele é resultado de décadas de expansão urbana desordenada, que tirou recursos do centro e empurrou a população de menor renda para as periferias e para a região metropolitana. Enquanto outras metrópoles investem na reocupação de seus centros com projetos integrados, Belo Horizonte parece ter ido na direção contrária.
Revitalizar o centro exige mais do que luzes e propaganda. É preciso um planejamento de longo prazo, com ações bem articuladas entre o poder público e a iniciativa privada. Há muitos caminhos possíveis e já testados: reformas de edifícios antigos com novos usos mistos (residenciais e comerciais), incentivos fiscais como redução ou isenção de IPTU, atração de empresas inovadoras com benefícios tributários e crédito facilitado para negócios locais e comércio de rua. Outra estratégia eficaz é o uso de Títulos de Potencial Construtivo vinculados à preservação de imóveis históricos, que ajudam a valorizar e dinamizar essas áreas protegidas.
Reocupar o centro de BH passa por investir em cultura, segurança, espaços públicos de qualidade, comércio de rua e moradia. Os painéis de LED, longe de serem solução, podem agravar os problemas. No mundo todo, cidades estão buscando reduzir a poluição visual e preservar seus símbolos. Por que Belo Horizonte seguiria o caminho oposto?
Modernizar não é cobrir fachadas com luzes, mas reinventar a cidade sem apagar sua alma. Belo Horizonte pode ser vibrante, inovadora e, ainda assim, acolhedora — se escolher um caminho sólido, duradouro e construído com a participação de todos. Um projeto que não ofusque a cidade com brilhos passageiros, mas a ilumine com o que ela tem de mais verdadeiro.