Até 2018, R$ 1,74 bilhão já havia sido destinado para áreas protegidas federais em todo o Brasil. Mecanismo ainda depende de ajustes para se tornar mais célere
O Brasil conta hoje com aproximadamente 2,4 mil unidades de conservação federais, estaduais, municipais e privadas que servem como refúgios para a biodiversidade nacional e impactam diretamente a economia do país. Fechadas desde março em razão da pandemia do novo coronavírus, aos poucos, algumas áreas protegidas reabrem para atividades científicas, turísticas e de conservação, como o Parque Nacional de Fernando de Noronha, que reabriu em 1º de agosto.
No entanto, o que pouca gente sabe é que a maior parte dessas áreas depende de recursos oriundos de compensações ambientais para sua consolidação e manutenção, elaboração de planos de manejo e até mesmo para estabelecer diretrizes para receber visitantes.
A compensação ambiental é um instrumento jurídico estabelecido pela Lei 9.985/2000, que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). O mecanismo impõe aos responsáveis por empreendimentos licenciados e causadores de significativo impacto ambiental a obrigação do desembolso de recursos a serem aplicados na implantação e gestão das unidades de conservação. Até 2018, já havia sido distribuído cerca de R$ 1,74 bilhão para unidades de conservação federais pelo Comitê de Compensação Ambiental Federal.
Em junho passado, a União liberou outros R$ 7,3 milhões para a manutenção, conservação e infraestrutura de parques nacionais e outras áreas protegidas, como os parques Serra da Capivara e Chapada dos Veadeiros.
O uso dos recursos recolhidos por compensação segue a legislação federal e sua regulamentação, podendo ser complementada pelos estados e municípios. Entre as possíveis destinações estão a regularização fundiária de unidades de conservação, com a indenização de desapropriações; a elaboração, revisão ou implantação de planos de manejo; e a aquisição de bens ou contratação de serviços para a gestão ou implantação das unidades. Com exceção de finalidades expressamente proibidas em lei, como custeio de folha de pagamento, há, na maioria dos casos, unidades de conservação que dependem quase que exclusivamente dos recursos da compensação ambiental para manter seu funcionamento.
“Os estados, os municípios e a União vivem um momento de grande ajuste fiscal. Ao terem acesso ao recurso da compensação para cuidarem das unidades de conservação, esses entes não precisam destinar dinheiro do próprio orçamento para esse fim, podendo direcioná-lo para áreas como saúde, educação, segurança e até mesmo outras frentes relacionadas ao meio ambiente”, afirma a presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), Cristina Seixas Graça, que também é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN). O Ministério Público é responsável por fiscalizar a destinação do dinheiro proveniente da compensação ambiental.
Apesar da sua relevância para as unidades de conservação, o instrumento da compensação ambiental ainda apresenta diversas controvérsias. O próprio cálculo das compensações devidas pelos empreendedores é alvo de discussão, uma vez que as metodologias em uso contrariam decisão do Supremo Tribunal Federal. “Esse fato, somado às diferentes legislações municipais e estaduais, cria certa confusão no cálculo do valor e na decisão de como a compensação será aplicada. Por envolver diferentes entes, incluindo empresas privadas, o processo torna-se demorado, seja no aporte do recurso a fundos ou na aplicação direta pelo empreendedor”, explica Cristina.
A importância das unidades de conservação
Unidade de conservação é a denominação atribuída pelo SNUC às áreas naturais passíveis de proteção por suas características naturais. Segundo especialistas, sem elas o Brasil não será capaz de atingir compromissos de sustentabilidade assumidos nos últimos anos em acordos e convenções internacionais, como a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), a Convenção sobre Diversidade Biológica, as Metas de Aichi e o Acordo de Paris.
A importância das unidades de conservação também se estende ao segmento turístico, que movimenta bilhões de reais anualmente no Brasil somente com o segmento de turismo de natureza. Levantamento realizado pelo ICMBio mostrou que, em 2019, as 137 unidades federais abertas à visitação receberam 15,3 milhões de visitas, um aumento de 20,4% em relação ao ano anterior.
“O turismo de natureza no Brasil está diretamente ligado às unidades de conservação, que protegem grande parte do nosso patrimônio natural. Além disso, também possibilita o desenvolvimento socioeconômico de muitas áreas distantes e de difícil acesso, que, se não fosse pela atividade turística, não teriam as mesmas oportunidades”, avalia a diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, Malu Nunes, instituição que contribuiu com a criação de mais de 130 mil km² de áreas protegidas terrestres e marinhas no Brasil.
A destinação de recursos via compensação ambiental também pode ser benéfica para a imagem do Brasil em relação ao meio ambiente, principalmente no tocante à Amazônia, bioma que concentra 47% da área total das unidades de conservação do país. “Quanto mais célere e clara for a utilização do instrumento da compensação, mais efetiva será a política ambiental como um todo, incluindo a capacidade do Estado de criar novas unidades e conhecer melhor as que já existem por meio da elaboração de plano de manejo, documento básico para a gestão de qualquer área protegida”, afirma Cristina.