Mirtes Helena Scalioni
É claro que há cenas lindas da imensidão do espaço, o vazio e o infinito – tudo embalado por uma valsa empolgante capaz de provocar arrepios e fazer o espectador pensar no mistério da vida. Mas elas não são, nem de longe, o mote de “O Primeiro Homem” (“First Man”), filme de Damien Chazelle sobre a vida de Neil Armstrong, o astronauta norte-americano que, em 1969, pisou pela primeira vez na Lua depois de viajar na Apollo 11. Desta vez, a corrida espacial é apenas uma desculpa para falar de um jovem tímido, arredio e obstinado, pronto a pagar qualquer preço para cumprir o que parecia uma missão.
Mas, como falar da quase obsessão de um homem real, um pai de família como qualquer outro, se ele é calado, introspectivo e raramente deixa transparecer suas emoções? Eis aí o grande mérito do diretor, que acertou, pelo menos, três vezes: primeiro, ao escolher o talentoso Ryan Gosling, com quem trabalhou anteriormente em “La La Land” (2017), para o papel principal.
Segundo, por privilegiar closes do rosto e dos olhos do ator, permitindo que o espectador pelo menos tente desvendar o que vai na cabeça e na alma do astronauta. E terceiro, ao chamar Claire Foy (atriz premiada na série “The Crown”) para o papel de Janet Shearon, mulher de Neil. É ela que humaniza a história e, de certa forma, faz o elo entre o espectador e Armstrong, dando alguns sinais do íntimo do marido, do que ele pensa e sente.
Atores e diretores falam sobre os obstáculos da produção
Damien Chazelle, que dividiu a função de produtor com Steven Spielberg, foi o diretor de “La La Land” e “Whiplash (2015)” – ambos também sobre personagens obstinados -, impõe ao público, em “O Primeiro Homem”, torturantes sacolejos, posições e lugares claustrofóbicos como a solicitar sua participação e comprometimento. É como se dissesse: “Sintam como foi difícil ser astronauta e pioneiro em 1969”.
Mesmo assistindo ao filme em projeções normais em 2D, há quem tenha saído do cinema com um pouco de enjoo no estômago, tamanha a turbulência das aeronaves – uma forma de mostrar como eram rudimentares as máquinas. E como corriam riscos os homens que se aventuravam naquele empreendimento incentivado a qualquer custo pelo governo norte-americano, preocupado unicamente em sair na frente da então União Soviética na corrida espacial. Possíveis mortes eram simples acidentes de trabalho.
Baseado no livro homônimo de James Hansen, “O Primeiro Homem” é diferente de outros filmes sobre o espaço, focados mais na aventura e nas conquistas. Principalmente porque deixa no espectador um certo incômodo que vai além das turbulências
e das cenas barulhentas como se as naves fossem se desmanchar. Seja em 2D ou nos modernos 3 e 4D, o que fica, no final, é a pergunta, a urgência de saber em nome de que – ou de quem – uma pessoa pode se embrenhar tanto num projeto tão cheio
de sacrifícios, incertezas e perigos. No caso de Armstrong, é um mistério. Há quem acredite que ele queria conhecer a morte depois que perdeu sua filhinha de três anos.
Duração: 2h22
Classificação: 12 anos
Distribuição: Universal Pictures